Copo de 3: julho 2010

28 julho 2010

Dão: The Next Big Thing

Este era o evento que faltava à região do Dão para mostrar de uma vez, todas as suas potencialidades enquanto região produtora se é que dúvidas havia. Um evento que viria a nascer não da cabeça das entidades que têm obrigação em fazer estas coisas... mas sim como uma iniciativa privada de um produtor da região, João Tavares de Pina que na sua Quinta da Boavista produz os vinhos Terras de Tavares. O espírito irrequieto de João Tavares de Pina sempre o levou à procura de mais e melhor para os seus vinhos, nunca descuidando nos detalhes, respeitando sempre o carácter das castas com que trabalha e procurando ao mesmo tempo mostrar algo de novo, que falarei mais tarde, mas sempre com o objectivo claro de obter vinhos de carácter inconfundível, feitos para durar como mostrou o Reserva 1997 e num estilo muito gastronómico. Foi este produtor que sozinho decidiu colocar o Dão às costas e fazer um evento que dignificasse toda uma região, um evento que incluiu 20 dos mais representativos produtores da região, que colocaram os seus vinhos em prova para um leque alargado de provadores nacionais e estrangeiros. As dormidas ficaram a cargo da Quinta da Boavista e da Casa de Darei e um agradecimento à Câmara Municipal de Penalva do Castelo que cedeu os transportes para toda a comitiva.

O dia escolhido foi 24 Julho de 2010 e a romaria dos convidados começou de véspera para encurtar caminho e estar o mais cedo possível no Solar do Vinho do Dão em Viseu. Na véspera já se tinham aberto umas quantas garrafas para afinar nariz, garganta e os indispensáveis blocos de notas. A jornada começou cedo, eram 8:30 da fresca manhã e estava eu e o Miguel a mergulhar na piscina da Quinta da Boavista... nada melhor para relaxar e preparar para a longa jornada que nos esperava.
A primeira prova estava marcada para as 10:00 horas e deveria contar com um número mais alargado de produtores, não fosse a inexplicável falta de comparência de alguns quando já tinham confirmado a sua presença, falharam pois a Quinta das Marias, Casa de Santar, Quinta do Corujão, Pedra Cancela, Quinta da Fata e a Quinta do Serrado que tinha as garrafas mas não tinha ninguém para as abrir ou falar sobre os vinhos. Pergunto se é esta a maneira correcta de se estar neste mundo pois se um evento desta natureza em que constavam nomes como Charles Metcalfe, Paul James White, Kathryn McWhierter, Yvonne Eistermann, Ilkka Sirén, Manuel Serrano e outros tantos nomes aqui de Portugal (bloggers e não bloggers), não serve para promoção então pergunto qual evento ou que tipo de coisa é que lhes serve... continuo a não entender. Estiveram presentes nesta prova os seguintes produtores, cada um com 3 vinhos em prova: Vinha Paz, Casa de Mouraz, Vinícola de Nelas, Quinta do Cerrado, Quinta da Vegia e Quinta do Perdigão. Destaco apenas alguns dos provados (em actualização):

Vinha Paz colheita 2008: espelha bem a sua região, cheiramos e dizemos que é um vinho do Dão, com carácter e boa complexidade, frescura a embrenhar-se no mato denso com fruta igualmente fresca e silvestre. Gosto disto e a boca acompanha, madeira discreta, amplitude média e alguma austeridade a meio palato num vinho com estofo para evoluir bem nos próximos tempos... a colheita 2000 aqui provada confirma. 90

Vinha Othon Reserva 2006: este vinho foi muito acarinhado por quem a ele se chegou e provou quando saiu para o mercado, na primeira vez que me caiu no copo não deu aquilo que eu tinha imaginado... enganou-me ligeiramente e foi melhorando com o tempo, mais e mais, numa delicada complexidade alicerçada numa boa dose de frescura com taninos presentes. Mostra-se mais pronto que o Reserva e um pouco mais sério que o Colheita. 91

Vinha Paz Reserva 2007: é claramente o mano mais velho do colheita, entenda-se mano mais velho como um vinho em tudo maior, seja complexidade, corpo, profundidade e no final a qualidade mostra-se aqui mais e melhor. Um vinho ainda muito fechado, duro, raçudo e cheio de frescura e apontamentos, a madeira ampara todo o trabalho, traves mestras que aportam outra classe ao vinho, tem tudo para ser um grande vinho do Dão... deste vou querer beber apenas daqui a uns bons anos. 93

O sol batia nas 13:00 horas, o calor já se fazia sentir e a fome apertava, o almoço seria servido pelo Chef Rodion Birca e estava marcado no pomposo Clube de Viseu com a participação especial do Conservatório Regional de Música "Dr José de Azeredo Perdigão", seria uma sessão com harmonização gastronómica e musical, contava com a presença dos produtores Casa de Darei, Quinta da Bica, Quinta da Boavista, Quinta da Pellada, Quinta dos Carvalhais, Quinta dos Roques, Quinta Fonte do Ouro e Quinta Vale das Escadinhas. Foram ainda solicitados à Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Centro alguns dos históricos vinhos do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão. Depois do longo almoço, umas boas 4 horas de duração, ainda tivemos tempo de refastelar nos sofás em amena cavaqueira, recuperar forças com mais alguns vinhos que foram sendo colocados em prova pelos produtores já referidos.
O processo foi simples, por cada prato que nos era servido, eram colocados em prova 2 ou 3 vinhos acompanhados por uma peça musical. Farei um breve relato das sensações que tive essencialmente com os vinhos servidos e os pratos que os acompanharam.

O primeiro prato a ser servido foi Requeijão de Ovelha, Agridoce de Tomate e Agrião, acompanhado de dois brancos, Primus Reserva 2007 (91pts) e Quinta das Maias Verdelho 2009 (90pts). Ambos de muito bom nível, o Primus a mostrar os dotes que o lote confere quer à complexidade quer à finesse, mas sem grandes exuberâncias e algo mortiço no nariz. No lado oposto o Verdelho dos Roques, mais vivo e fresco, exuberância moderada num todo fino equilibrado e de fundo mineral. Na harmonização gostei mais do Verdelho, penso ter uma acidez mais capaz de ligar com o agridoce de tomate e agrião.

Com Sardinha Alimada com Pimento Confitado vieram mais dois brancos, um Casa de Darei Grande Escolha 2007 (91pts) e um Encruzado Quinta dos Carvalhais 1998 (89pts). O Carvalhais mostrou uma tonalidade a lembrar ouro velho, carregado de aromas cansados apesar de alguma frescura que lhe servia de muleta... mesmo assim ainda com um bouquet minimamente interessante para a nota não vir por aí abaixo. O Casa de Darei Grande Escolha 2007 foi uma boa surpresa, desconhecia, encontrei um branco fresco e muito bem estruturado pleno de fruta fresca e mineralidade, pederneira e vegetal fresco em dose mais pequena. Daqueles que gosta de passar uns tempos na nossa garrafeira. Aqui a harmonização não se deu visto eu dispensar a Sardinha, mas claramente apostaria no Darei.

No Folhadinho de Queijo da Serra, Mel e Alecrim foi a vez dos fatos de gala, entraram em cena os brancos do CEVDão 1971 (95pts), 1980 (92pts) e 1992 (90pts). Foi colocar a fasquia muito alta, indo a qualidade e o nível subindo à medida que a idade aumentava, por isso mesmo o 1992 foi aquele que achei menos interessante, toque apetrolado ligeiro, boca fina e muito delicado, poderei dizer apagado ? Já o 1980 se mostrou um pouco melhor, mais refinado apesar de delicado, mais volume e frescura quer em nariz quer em boca, mais vinho portanto. A vivacidade nota-se bem distinta. O melhor dos brancos seria o deslumbrante 1971, de aroma complexo e refinado, ceras, melado, fruta ainda com frescura, mineralidade e ligeiro petrolado em plano de fundo. Tudo muito harmonioso, perfumado e bom de se cheirar, durou no copo mais tempo do que muitos vinhos "rapazolas". Ligação disputada entre o 1980 e o 1971, com a frescura e envolvimento do 1971 a levar pela melhor.

Crocante de Morcela da Beira, Emulsão de Abacaxi e Redução de Balsâmico, com Touriga Nacional Quinta Fonte do Ouro 2008 (85pts) e Quinta da Bica Reserva 2005 (89 pts). Os dois vinhos que menos gostei, o Fonte do Ouro cheio de notas doces e achocolatadas, flores demasiadamente colocadas, satura e enjoa... dizem que é o perfil internacional a trabalhar, pessoalmente dispenso sem antes dizer que é um vinho bem feito mas que não me satisfaz. O Quinta da Bica é um produtor que acompanhei em colheitas mais antigas, agora com imagem reformulada o vinho mostra-se um pouco mais moderno mas ao mesmo tempo muito elegante, ligeiro, fresco... a provar com mais atenção para afinar a minha opinião.

Intervalo vínico com um Consommé de Codorniz, Croutôns de Gengibre e Ervas Aromáticas.

Almôndegas de Lebre, esmagado de Batata e Espinafres Frescos, ao que se juntou o Quinta da Falorca Garrafeira 2003 (92pts) e o Terras de Tavares Reserva 2003 (92pts). Dois pesos pesados da sessão, os dois ainda algo fechados e receosos de mostrarem o que lhes vai na alma, o Falorca a mostrar mais madeira, mais fruta madura, uma prova mais fácil e pronta enquanto o Terra Tavares um vinho com frescura e taninos a mostrarem que o caminho é manter-se na horizontal por mais um tempo. Qualquer um dos dois vinhos esteve em plena sintonia com o respectivo prato.

Arroz de Polvo, Ovo de Codorniz Escalfado e Emulsão de Coentros, com Tintos CEVDão 1970 (93pts) e 1971 (89pts). Aqui começamos a entrar na velha guarda, nos vinhos de culto e direi naqueles que ouvimos alguém dizer que provou e pensamos que nunca vai chegar a nossa vez... com sorte esta foi a segunda vez que tive oportunidade de os provar e ainda bem. Claramente melhor o 1970 do que o 1971, mais vivo com fruta fresca em muito bom plano, especiado, terroso, notas de madeiras velhas e tabaco, tudo muito delicado e harmonioso... repito-me em vinhos deste calibre. Já o 1971 mostrou-se cansado, aromas já de fruta passa, tudo muito seco e sem grande vida, mortiço no nariz como na boca... claramente um vinho que já teve melhores dias.

Lombinho de Bacalhau suado em Borras de Vinho e Migas, e o rei da tarde... CEVDão Touriga Nacional 1963. É para mim sem nenhuma dúvida o melhore exemplar de Touriga Nacional provado até hoje, esta garrafa mostrou-se muito mais afinada e em melhor forma que a quando da minha primeira prova deste vinho. Um hino ao Dão e à Touriga Nacional.

Encerrando o almoço com um desenjoativo Crocante de Pudim Abade de Priscos.

Durante a tarde, ou o que restava dela ainda tivemos oportunidade de provar mais alguns vinhos que os produtores convidados para o almoço colocaram à disposição. Nesta altura o descanso era imperial e poucos eram os vinhos que me apetecia verter no copo, conto um excelente Carvalhais Único, Quinta dos Roques Garrafeira 2003 e Roques Encruzado 2008, a conversa estava tão animada que quando me dirigia para provar os restantes vinhos eram quase 20:00 e era altura de voltar à Quinta da Boavista onde o evento iria encerrar com um jantar de convívio, vida dura portanto, que contou com a presença de todos os provadores convidados e dos produtores presentes no almoço. Um autêntico festim com que nos brindou o Cozinheiro João Tavares de Pina, durante o qual nos foi apresentando algumas das suas novas criações, um 100% Tinta Pinheira (Rufete) e um blend de Touriga Nacional com vinhas velhas mais conhecido por Kaos. Se o primeiro já era meu conhecido e bastante adorado, o segundo mostrou-se uma valente surpresa, um vinho cheio de vigor, frescura, complexidade muito boa num vinho muito perfumado e profundo, temos vinho para seguir com atenção quando sair para o mercado. Já o Tinta Pinheira é todo ele frescura, vegetal fresco com muita framboesa e cereja a escorrerem de maduras, quase que se trinca com a austeridade vegetal que tem no palato, embrenhado no mato rasteiro e na caruma de pinheiro, cheiros e sabores locais portanto... tem vindo a afinar mas tem taninos e acidez bem presente, essenciais para longa vida pela frente. Pelo meio ainda se teve a oportunidade de beber o Terras de Tavares Reserva 1997, o primeiro vinho que provei desta casa e que desde o seu lançamento me conquistou pela sua qualidade, está a dar uma prova de alto gabarito, madeira acertada com o compasso da frescura e da fruta, todo ele muito Dão sem extras desnecessários... mais uma vez um vinho que é bastante amigo da mesa, algo que todos nós devíamos ter em conta na hora da compra, porque o Dão é isto, vinhos amigos da mesa, vinhos que em novos se mostram fechados e algo duros mas que com a idade se tornam aveludados, frescos e muito elegantes com aquela tonalidade irresistível que os caracteriza. Por outro lado temos os vinhos de cariz mais comercial, dizem que mais ao gosto do consumidor, eu pessoalmente fujo cada vez mais de comprar vinhos com esse carimbo comercial, porque acho que a fruta deve ser servida madura, limpa e bem fresca, não com toques adocicados e toda ela besuntada de baunilhas e chocolates da madeira por onde passou, segue-se um grau alcoólico que quase sempre é estupidamente abusivo neste tipo de vinhos, para não dizer que o tempo passa por eles como uma rebarbadora, óbvio que há excepções mas por norma o álcool acaba sempre por derrapar para fora do copo e fica o caldo entornado. Quero convencer-me que o Dão leva o caminho dos primeiros vinhos, dos genuínos e daqueles que nos podemos e devemos orgulhar...


Um evento 5 estrelas, excelente convívio onde muito se riu, bebeu, aprendeu e conversou. No Domingo ainda havia um almoço com prova marcada na Casa de Darei, mas as saudades do meu filho com 2 meses eram mais que muitas e tive de voltar mais cedo para casa. A todos aqueles que conheci ou revi, com quem falei, ri e partilhei mesa durante estes 2 dias, os meus agradecimentos, em especial ao João Tavares de Pina e à sua família pelo fantástico acolhimento na Quinta da Boavista. João, um grande abraço de parabéns e que se repita... nós gostamos e o Dão agradece.
 
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