Foto retirada do site: http://vinhodetalha.vinhosdoalentejo.pt |
Não importa os anos
com que lido com este tipo de vinho, que para alguns é como um brinquedo novo,
não importa as vezes que o vi ser feito bebido ou provado, importa que o
fenómeno das talhas reapareceu faz menos de uma década, e que de supetão deu-se
uma corrida louca e desenfreada que colocou produtores de norte a sul de
Portugal a correrem todo o Alentejo à procura de talhas, não importa tamanho,
idade ou feitio... desde que fosse uma talha a festa está feita. Para os que
não conseguem ter uma das centenárias, inventaram-se umas mais modernaças para
não estragar a brincadeira. Depois grande parte desses vinhos nasce de forma
confusa e direi de uma forma adulterada e vai contra aquilo que sempre foi e
sempre caracterizou o vinho de talha. Há vinho que apenas toca ao de leve na talha
e passa para o inox e é de talha, é de talha aquele outro em que apenas uma %
do que lá foi feito é misturado com outro estagiado em madeira, pelo que me
arrisco a dizer que é tudo menos o autêntico vinho de talha. O engraçado é que
quem certifica (CVRA) por um lado diz uma coisa mas na hora de colocar o selo
diz outra. Senão vejamos, no site dedicado ao Vinho de Talha podemos ler que:
Fotografia: Talhas Pesgadas, autoria Sovibor |
"A
Impermebiabilização da Talha
A talha, por ser
porosa, necessita de um revestimento que a torne menos permeável. O método
tradicional de impermeabilização é a “pesga” ou a “pesgagem” da talha, isto é,
a rebocagem da mesma com resina de pinheiro a que se chama de pez louro. Nas
tabernas e adegas particulares também há quem utilize tintas com efeito
impermeável (tinta epoxi para revestimentos cerâmicos) que podem ser colocadas
pintando o interior da talha. Todavia, estas tintas criam um isolamento de tal
forma absoluto entre o barro e o mosto vínico, que não permitem que a talha
cumpra a plenitude da sua função, não sendo portanto uma alternativa viável por
não manter a marca nem o carácter típico desta forma clássica e natural de
vinificação."
O insólito é que
lendo o que a CVRA escreve no seu portal dedicado à promoção do vinho de talha,
ficamos a saber que: “... a talha com epoxi... não cumpre a plenitude da sua
função, não sendo portanto esta uma alternativa viável." É a mesma CVRA
que no seu "regulamento" diz o seguinte:
"2. Das
práticas enológicas Na elaboração do «Vinho de Talha» serão seguidos os métodos
tradicionais e as práticas e tratamentos enológicos legalmente autorizados,
devendo adoptar-se obrigatoriamente os seguintes processos:
a) desengace das uvas é obrigatório;
b) a fermentação
terá lugar em talhas ou potes devidamente impermeabilizados;"
Chego portanto à conclusão que perante tanto
produtor a querer ter o seu "Vinho de Talha" e dado que pesgar as
ditas não é para qualquer um, o vale tudo para ter o vinho certificado e com a
máquina do marketing a rolar, se engole a tradição que por um lado se apregoa
mas na altura que interessa, se deixa na gaveta. Deixo pois as seguintes questões:
- Não está o consumidor a ser
ludribiado quanto à autênticidade do Vinho de Talha que compra, quando este é feito numa talha revestida a epoxi, que fugindo à
tradição e que segundo site oficial, não é uma alternativa viável ?
- Em que
ponto ficam todos os produtores que seguem a preceito as regras e a tradição
face aos restantes ?
- Se forrar uma talha a inox, assegurando que fica
devidamente impermeabilizada, o vinho pode ser certificado pela CVRA como Vinho de Talha ?
3 comentários:
Excelente artigo. É algo que igualmente me intriga há imenso tempo. Já bebi vinhos de "talha" completamente intragáveis, tal o seu impressionante sabor a resina! Ou a CVRA clarifica de uma vez por todas e cria uma denominação oficial para o vinho de talha, ou vamos beber gato por lebre por muitos anos.
O sabor a resina vem do facto das talhas serem pesgadas, é algo que faz parte, sempre fez parte. Parte desse sabor/aroma ia atenuando com a utilização e a passagem das colheitas. Hoje em dia há quem opte por impermeabilizar com cêra de abelha, um processo mais caro e que dura menos tempo, factor que explica em parte o preço de alguns vinhos de talha no mercado.
O que não é normal, nem natural é um vinho de talha cheirar a madeira ou não ter sequer vestigio dessas notas de cera ou rezina/balsâmicos parecendo que passou por inox.
Por outro lado temos a vertente dos vinhos que passam por anforas de barro sem qualquer revestimento, onde o travo a barro é mais evidente, o risco aqui também é maior porque a oxidação é muito maior e arrisca-se em ficar com o vinho azedo (também acontece se uma talha for mal pesgada/isolada).
Boa tarde
Sou um estudioso pelas circunstâncias do fabrico de Vinho de Talha, e eu próprio me dedico desde há 30 anos a essa atividade em Vila de Frades, considerada a Capital do Vinho de Talha.
Uma referência história importante, para se entender o processo: O vinho de talha é uma cópia (para melhor, digo eu...) do vinho KVEVRI feito desde há 7000 anos na Europa de Leste numa zona que hoje corresponde à Geórgia.
Qd os romanos lá chegaram no âmbito das suas conquistas (o Império Romano do oriente) trouxeram esse processo para o Ocidente, para zonas a que hoje chamamos Portugal, Espanha, sul de França, Itália e Grécia.
As talhas foram impermeabilizadas originalmente apenas com a cera de abelha, e só a partir do século XIX e XX começaram a sê-lo (total ou parcialmente) com pez um subproduto da resina. A mesma resina que está na origem do nome de um famoso vinho grego, o Retsina.
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