Copo de 3: Crónica dos bons malandros... o jantar estava marcado

09 agosto 2011

Crónica dos bons malandros... o jantar estava marcado

Estou farto de debitar apenas e só notas de prova, acho isso chato, banal, coisa que qualquer bot programado faz às carradas e nem precisa de saber provar, dou por mim a despender o tempo que antes tinha para a prova a ser passado de volta do meu filhote... sente-se mudança no horizonte, sente-se que a coisa tem de mudar, esticar a vela para outro rumo, dar a volta por outro lado para sair do lodaçal banal que isto se anda a tornar... os cadernos de prova ficaram à porta, o relógio batia nas 20h e o cenário estava composto, é à volta daquele objecto de culto que é a mesa que tudo voltava a acontecer, mesa cheia mesa farta... à espera estavam os pratos a serem servidos e alguns vinhos que fui salvar do baú das memórias, vinhos esquecidos e ignorados força da moderna enologia, da infusão de madeiras e da fruta madurona temperada com colher de açúcar...
Penso que seja um dever de quem prova vinhos conhecer um mínimo do que é a nossa história como país produtor, ter provado um pouco do que melhor se fazia em determinados locais, vinhos que fizeram história e histórias que falavam sobre vinhos... tudo para entender o que antes se fazia e se deixou de fazer, motivos, causas e vontades, tudo isto com o olhar atento dos amigos de longa data e longa vida, assim os quero ter pois ainda há muito que provar, descobrir e conhecer.
Comecei por servir uma Salada de rúcula com vinagreta de frutos vermelhos, foie, nozes e Boffard ... a acompanhar um Quinta do Alqueve Colheita Tardia 2005. Resultou boa a harmonia entre prato e vinho, com o queijo a puxar pelos seus galões com imediato aconchego dado pela cremosidade do foie e limitado pela secura da rúcula. O vinho apesar de dar uma prova satisfatória mostrou-se tanto pela cor como pela prova que deu precocemente evoluído, cansado nos aromas e com falta de acidez na boca e frescura no nariz, nada ali cheira a novo, fruta desfeita e cansada, sem motivos para dormir mais tempo em garrafa.

Deu-se depois o salto para uns Mexilhões à Marinheira (Moules à la Marinière) em que o branco escolhido foi um branco seco, novamente uma tentativa de testar um vinho já com idade, retrocedi até 2003  troquei a volta aos convivas, e fui buscar o Dona Berta Rabigato 2003. Servido em prova cega o vinho deu que falar e permitiu enormes divagações no pensamento dos provadores, um branco de 2003 em grande forma é obra, são poucos os que o conseguem e ainda menos os que conseguem mostrar a mesma acidez, austeridade mineral a raspar na língua toques de vegetal seco e alguma lima... algum sinal de idade, vinho grande, vinho que não parecia ter a idade que tem, a fruta ainda na fase SIM todo ele melhor no nariz que na boca, a pedir comida por perto. Por graça ainda se abriram mais dois brancos, o primeiro um Maritávora Reserva 2009, pesado como a madeira que exalava a mais e fruta a menos, na boca perde-se a meio, falta substância e afirmação a este vinho, custa caro pois ronda os 25€ e tem pouco para oferecer por aquilo que dizem valer. Ao lado abria-se um Terrenus 2008, um branco de Rui Reguinga... um branco da Serra de São Mamede (Portalegre) que subjugou por completo o anterior, bem mais vinho, mais complexo e mais harmonia, todo ele em grande plano, é vinho com princípio meio e fim... essencial no meu ponto de vista. 

Feito um pequeno interregno no jantar, foram-se abrindo os tintos a bom ritmo e novamente em prova cega, e o primeiro vinho escolhido foi um Cooperativa da Granja 1988, pré CVRA portanto com uns fantásticos 12,5% Vol. , feito pelo enólogo António Saramago e pensava cá para mim, seria uma pequena marotice colocar este vinho em prova no qual não depositava grandes esperanças, tinha sido comprado por 0,50€ num lote de outros tantos vinhos velhos da região Alentejana, a rolha já empapada foi tirada a ferros, verti o vinho no copo, rodei cheirei e sorri... à magano que estás tão bom. Na mesa servia-se Carne do Alguidar com Migas à Alentejano... o vinho inicialmente algo confuso e torpe, tanto sono, que foi acordando e mostrando o que de bom tinha para mostrar... e ainda era muito, sentia-se frescura no nariz, nada de aromas secos e remeter para canto, fruta madura com destaque na ameixa bem redonda e sumarenta, envolvida em calda, os terciários faziam a festa de maneira harmoniosa, tabaco, couro e algum licor... boa a condizer, entrava docinho mas a saber a fruta madura, sem passa sem pressas... mais uma rodada e outro que saltava para a mesa. Alguém se lembrou de abrir um Casa Cadaval Trincadeira Vinhas Velhas 2006, vinho cativante pelo aroma adocicado da fruta com toques entre o vegetal e o apimentado, todo ele muito bem trabalhado mas algo cansativo durante a prova, entrou-se depois numa mini vertical de Má Partilha, o Petrus das Terras do Sado como já foi chamado na altura do seu primeiro lançamento no ano 1986, em prova o 1989 aquele que foi e é o primeiro Merlot a ser engarrafado em Portugal e continua a ser o melhor exemplar da casta... de velho não tem nada, a maneira com que se desdobrou no copo e mostrou tudo o que tem de bom remeteu para outros pensamentos, outras paisagens ainda que de maneira um pouco sonhadora. Mostrou-se em bela forma, com frescura e sem grandes notas de cansaço ou desmaio durante a prova, nada de aromas chatos e mortiços, vinho de gabarito. Abriu-se de seguida um 1999 que estava lixado de aromas, em queda precoce mas a guarda a que a garrafa tinha sido sujeita não terá permitido uma prova mais condigna, o 2001 mostrou-se melhor, a mostrar-se bem na onda do 1989 e com vontade de tentar a proeza de se mostrar em igual nível daqui por alguns anos.

A noite ia longa, a conversa com enorme animação os vinhos davam que falar, a reta final estava próxima, saltou uma Panacota com molho de Arando Vermelho, tentou-se ligação com um Lajido do Pico 1994, vinho difícil complicado e de nariz comprido, vulcanizado demais para o meu gosto... limparam-se os copos e partiu-se para um Graham´s Colheita 1961.

Até à próxima.

PS: Alguns dos vinhos serão alvo de uma nota de prova mais individualizada a ser colocada em tempo oportuno.

2 comentários:

Hugo Mendes disse...

Gostei muito de ler isto!
se quiseres escrever mais destes... tens aqui um fã!
Abraço

Abílio Neto disse...

Hugo,

Subscrevo! Belo texto.

Abr.,

An

 
Powered By Blogger Creative Commons License
This work is licensed under a Creative Commons Attribution-Noncommercial-No Derivative Works 2.5 Portugal License.