Copo de 3: Sonhos engarrafados da Burmester

24 março 2011

Sonhos engarrafados da Burmester

Muito recentemente desloquei-me a Gaia para visitar algumas caves de Vinho do Porto, um património único no mundo, que todos deveriam conhecer e que deveria ser considerado como Património Mundial da Humanidade pela UNESCO tal a riqueza do local. Passear nas ruas do Centro Histórico e poder visitar as caves históricas que ali moram é como dar um salto atrás no tempo, imaginar a rolagem das pipas pelas pedras da calçada, as enormes salas de estágio onde moram autênticos sonhos por engarrafar. Visitar cada uma das caves é entrar num mundo aparte, apesar do fio condutor que as une, ali mora um silêncio que perdura na história, talvez apenas o sussurro dos néctares divinos que vão estagiando seja o único som que mereça ser ouvido, autênticos pavilhões do conhecimento que se pudessem falar teriam tanto para nos contar, tal a história e segredos que encerram.
Ora se há vinhos que fazem parte das minhas paixões enófilas, certamente serão os Colheitas nos seus mais variados perfis a variar de cave para cave, afinal cada produtor imprime um cunho bem diferente nos vinhos que produz. O Colheita é um estilo de Porto diferente do Vintage, no Colheita (Tawny) o vinho estagia em pipas até ser engarrafado, sofrendo por isso um processo de oxidação muito lenta durante os longos anos que vai estando guardado, no caso dos Vintage (Ruby) o vinho passa por madeira mas acaba por estagiar em garrafa, em ambiente redutor.
Optei por falar apenas nos Colheita da Burmester, vinhos que merecem tal como todos os grandes vinhos, serem provados nem que seja uma vez na vida, pois esse momento será recordado para todo o sempre, tal a quantidade de emoções que nos conseguem transmitir. Mergulhar os sentidos num destes memoráveis néctares é entrar num mundo de sensações luxuosas, onde os aromas de especiarias, melados, charuto, fruta cristalizada, caramelo de leite, frutos secos, iodo ou mesmo vinagrinho naqueles com idade avançada… autênticos mananciais de emoções, cobertos de frescura que perdura na boca e no tempo. Do mundo de sonhos engarrafados que é a Burmester, memoráveis colheitas foram colocados em prova, na memória já levava o 40 Anos Tordiz, o Colheita 1955 e o 1937. O nível em todos estes vinhos é de classe mundial, o preço acompanha o luxo e o nível destes inimitáveis néctares únicos no Mundo, claramente do melhor que se pode beber numa vida, pensava eu que já tinha visto tudo quando durante a prova foi servido um luxuoso e guloso 1960 e em crescendo encontrei-me com um aristocrata de belos modos e enorme finesse, admirável complexidade e frescura, interminável viajante e pecaminoso 1940 para ser completamente ofuscado pela soberba e direi perfeição da exclusividade com que se mostrou o 1900. Em todos eles as notas inconfundíveis de caramelo de leite, frutos secos, nos mais velhos as tais notas de iodo com algum vinagrinho, em que as tonalidades se desdobravam em reflexos esverdeados. Cada um destes vinhos deixou-me uma marca bem profunda na minha memória, vinhos que como já tinha dito anteriormente despertam emoções fortes, num misto de sorrisos, lágrimas, tristeza porque queríamos partilhar tanta emoção com tantos que já partiram, alegria porque estamos ali ao lado de amigos que sorriem para nós e que tão bem entendemos aquele sorriso, por vezes estes vinhos são metas, são a derradeira fronteira para a felicidade… e naquela manhã foi a felicidade que reinou na cara dos que tiveram a sorte de ali estar e provar todos aqueles sonhos engarrafados.
Todas as caves de Vinho do Porto merecem uma visita muito atenta, cada uma é por si só um arquivo de histórias para contar, e se alguma vez tiver a oportunidade de poder provar um vinho deste calibre não hesite, é tão bom sonhar acordado.
 
texto publicado originalmente na revista Tribuna Douro nº81

1 comentário:

Lopes Andrade disse...

Como eu gostava de participar numa experiencia dessas, enfim, não vou deixar de sonhar.

 
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