
Um vinho carregado de valor sentimental, apenas sentido por aqueles que privaram com o seu autor, um amigo que recordo com saudade, todos os outros ficam despidos deste sentimento, apenas são confrontados com aquele "algo diferente" de boa concentração, a água que perdeu conferiu-lhe um toque mais concentrado, dando aquela gulodice e untuosidade tanto no olhar como quando se prova.
Por vezes dou por mim a sonhar que sou um produtor a mostrar a sua obra de arte aos convidados, aquela obra que não sendo "minha" acaba por ser um pouco... sinto-a como tal, nem que apenas como o responsável por manter viva a memória daquele vinho e ir sendo gravada um pouco por todos aqueles que o tiveram no copo, na minha vontade quero sentir que assim tem acontecido.
Na realidade falo de um vinho feito à moda antiga, em adega velha, sem luxos nem modernices, as uvas foram vindimadas de uma vinha velha, daquelas meio perdidas em que o branco vai misturado com o tinto, com o Fernão Pires, o Castelão e outras tantas castas que não fazem parte dos contra rótulos modernos... coisas velhas. O ritual era o de sempre, a fermentação e o estágio eram da responsabilidade das talhas de barro, era ali que o branco e o tinto repousavam, fermentavam e se passavam a limpo, depois a talha era fechada e ficava à espera, sozinha mas nunca abandonada... o vinho de que falo é especial, durante a fermentação era abafado com aguardente vinica muito bem escolhida pelo seu dono, o resultado era e continua ainda hoje a ser mágico...
Toda a micro-oxigenação a que o vinho é sujeito devido à porosidade do barro, ao tempo que vai estagiando na talha que lhe confere um aroma e sabor tão característico, ao tempo que teima em perdurar na garrafa... o suficiente para quem quem o prova ficar na grande parte das vezes a cheirar e a olhar para o copo sem saber o que dizer... no final gostam, deixam-se perder no tempo a cheirar aquele fantástico bouquet que teima já com a sala vazia em ficar agarrado às paredes do copo, em que a frescura dos alperces e de fruta cristalizada com a oleosidade dos frutos secos se combina com o travo da talha antiga e de tantas outras coisas para apreciar devagar que este gosta de gastar tempo nestas coisas. Um vinho que faz parte de uma memória, da minha memória, um vinho que apenas sirvo aos amigos mais especiais e em que apenas me dou ao luxo de beber dois cálices ao ano, num perfil claramente dominado pelo caminho da oxidação positiva que maravilhas exerce nos Porto Colheita, elegante, cheio, complexo e amigo da boa mesa, conversador imortal e apesar da idade ainda pleno de vivacidade, assim é este vinho, assim era o meu amigo.
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