Ouvir falar em Mouchão é lembrar no imediato de grandes vinhos que têm vindo a deliciar gerações de apreciadores, o seu nome teve a capacidade de se afirmar com o passar dos anos num dos ícones indiscutíveis do Alentejo, um vinho que faz parte do desejo de qualquer enófilo e é sem dúvida alguma um dos grandes produtores a nível nacional. A sua história começa por volta do ano de 1825, quando o inglês Thomas Reynolds se instala no Porto como negociante de Vinho do Porto, três gerações passaram e o seu neto, John, envolveu-se no negócio da cortiça e comprou um número razoável de propriedades no Alentejo. A Herdade do Mouchão foi uma dessas herdades, com 900 hectares em que 70% são ocupados por montado de sobro. Do negócio da cortiça cedo se expandiu para o vinho, plantou-se vinha (onde viria a surgir a Alicante Bouschet em Portugal) com a respectiva adega a ser construída entre os anos de 1901 e 1904. Com o passar dos anos a produção de vinhos foi sendo aperfeiçoada e seria na década de 50 que a marca Mouchão iria surgir no mercado pela primeira vez (1954), mantendo-se na mesma a produção de vinho a granel. Naquela altura a área de vinha já tinha sido aumentada, as vinhas de Alicante Bouschet trazidas de França seriam responsáveis por alguns vinhos míticos, tinha nascido no Alentejo um dos grandes produtores de vinho. Após o 25 Abril de 1974 a Herdade foi expropriada e tomada pela "Cooprativa 25 de Abril" da Casa Branca, apesar dos seus proprietários nunca terem abandonado a sua casa, a Herdade e a Adega apenas seriam devolvidos em 1985 num estado degradado e com grande parte das vinhas a terem deixado de produzir com outra tanta parte arrancada e substituída por outras variedades de maior rentabilidade, a grande maioria dos stocks dos melhores e mais antigos vinhos tinha sido vendida ao desbarato. Naquela altura foi necessário começar do zero, a vinha velha teve de ser arrancada, replantada e reformulada. Nos dias que correm, um século depois da sua fundação, a Herdade do Mouchão continua em plena forma e na posse da família Reynolds.
Vinha Adega Vinificação
A vinha nos seus 38 hectares totais é composta por várias parcelas espalhadas pela Herdade, as vinhas da Dourada, das Canas, a Vinha Nova das Canas, da Barragem, a Vinha do Mouchão Velho e a mais especial de todas a Vinha dos Carapetos onde mora a parcela mais antiga de Alicante Bouschet. Nas restantes parcelas os encepamentos variam entre Trincadeira, Aragonez, Touriga Nacional, Touriga Franca, Castelão e Syrah, nos brancos o Antão Vaz, Arinto e Perrum. No Mouchão a tradição fala mais alto, ainda bem para os consumidores, os vinhos mantém um cunho muito próprio fruto de um apurado terroir e de cepas de Alicante Bouschet muito velhas. Adega singela e cheia de carisma onde tudo parece imaculado com os seus imponentes e velhos toneis de madeira ( Mogno, Castanho, Carvalho e Macacaúba) e algumas pipas mais velhas a recordar que o tempo é inquilino daquela casa vai para mais de 100 anos, ali mesmo onde a família de adegueiros se mantém há três gerações, guiados por Iain Reynolds Richardson o actual proprietário, num garante de que o saber fazer se vai mantendo ao longo dos anos e não se vira costas aos saberes do antigamente. A uva é escolhida e vindimada manualmente, transportada para a adega onde é esmagada e fermentada com os engaços nos nove lagares de pedra ali existentes. A pisa a pé é efectuada para todos os vinhos tintos do produtor, caso raro por terras do Alentejo, depois de fermentado o vinho é transfegado para os tonéis que variam entre os 2.500 e 5000 litros de capacidade, onde efectua a maloláctica e onde estagia por períodos que variam entre os 4 e os 7 anos. Parte dos vinhos estagia também em barricas de carvalho francês de 225 litros. Em jeito de curiosidade no pico do Verão quando as temperaturas são mais elevadas, o adegueiro por volta das 6 da madrugada abre todas as janelas da adega com o objectivo de refrescar o local, sendo que por volta das 9 horas todas as janelas voltam a ser fechadas de forma a preservar ao máximo a temperatura interior. A enologia está a cargo do Enólogo Paulo Laureano.
Alicante Bouschet
Falar-se na Herdade do Mouchão é ter de falar na casta vinda de França de seu nome Alicante Bouschet, que se instalou ali pela primeira vez na Vinha dos Carapetos e seria ali naquele fantástico e mágico local que daria o tiro de partida para aquilo em que se transformou nos dias de hoje, a grande casta do Alentejo. Da mal amada por França a glorificada no Alentejo, a casta que se adapta a climas quentes e que foi menosprezada pelos Franceses, de tal forma que quando os Rothchild compraram a "Quinta do Carmo" nos anos 90, decidiram de forma pouco inteligente destruir todas as vinhas velhas de Alicante Bouschet que esteve na origem dos grandiosos vinhos da marca. Como casta é tintureira, polpa e sumo escuros, criada em laboratório por um professor de viticultura francês de nome Henri Bouschet, ao cruzar Grenache e Petit Bouschet em 1865, não muito depois viria para o Alentejo brilhar. Casta vigorosa que produz vinhos intensos e bem estruturados de grande longevidade, fruto da boa acidez e dos taninos que mete à disposição. De aromas a lembrar frutos silvestres, azeitona, especiado e vegetais, travo de bálsamo marca todos os tintos.
Os vinhos As provas
A determinada altura no Mouchão, quando a superfície total de vinha era superior ao actual, nem sempre se conseguia vender toda a produção. Desta forma os vinhos que não se vendiam iam ficando armazenados e a determinada altura verificou-se que aqueles vinhos ganhavam com um estágio prolongado em adega. Na realidade o primeiro Mouchão engarrafado veria a apenas a luz do dia em 1949 seguido do 1954 e o 1963. O que aconteceu pelo meio desapareceu com a ocupação da Cooperativa Agrícola 25 de Abril . Apesar de tudo isto, a gama de vinhos tem vindo a ser aumentada com o passar dos anos, o primeiro vinho e o que goza de maior prestígio é o Mouchão, já teve na sua altura a edição em branco mas foi descontinuado, hoje só mesmo tinto, onde brilha o duo Alicante Bouschet com Trincadeira. Depois surgiu em 1990 o Dom Rafael, o nome homenageia o primeiro proprietário da Herdade do Mouchão. Foi já em 1996 que aparece o vinho mais especial da casa, o Mouchão Tonel 3-4 assente numa base das melhores uvas de Alicante Bouschet. Em 2005 surge o mais moderno Ponte das Canas. Os anos de 1994 e 1995 foram trágicos com a geada a dizimar por completo a produção. Aqui irei colocar todas as notas de prova dos vinhos deste produtor, desde os mais antigos aos mais recentes, mesmo que alguns deles tenham tido direito a uma prova isolada, tentarei fazer isto com todos os produtores que tenha visitado nos últimos tempos.
Dom Rafael 2010: Alicante Bouschet, Trincadeira, Aragonez e Castelão. Vinho muito novo e cheio de garra, muito Alicante Bouschet a marcar território, todo ele cheio de fruta silvestre (amora) com toques de mentol e compota, especiaria fina. A madeira ainda se faz notar o que pede tempo para se aconchegar, na boca com boa frescura, harmonia com a prova de nariz, sólido e bastante frutado, conjunto com muita vivacidade, taninos presentes em mediano final. Preço a rondar os 7,50€.(Junho 2012) 89pts
Dom Rafael branco 2011: Antão Vaz, Arinto e Perrum. Aroma refrescante com bastante fruta entre citrinos e notas de ananás, flores e algum travo mineral em fundo, todo ele simples, fresco de bom envolvimento e pronto a dar prazer. Na boca tem boa presença, tem gordura da fruta com energia e vivacidade, fruta sólida, algum vegetal e frescura em bom final. Preço ronda os 6,40€ (Junho 2012) 90pts
Ponte das Canas 2009: Alicante Bouschet, Touriga Nacional, Touriga Franca e Syrah. É por assim dizer o vinho mais moderno do Mouchão, torna-se mais guloso e de fácil abordagem, mais puxado na fruta escura com doçura de uma geleia fresca a ligar todo o conjunto, mentol, bombom de cereja, especiaria e o toque da madeira a dizer que está bastante novo ainda. Boca com frescura e a mostrar alguma suavidade, mostra algum peso entre fruta/madeira/álcool que deverá passar com algum tempo, serenar o espírito faz sempre muita falta. Revela-se algo explosivo, com secura de taninos, pimenta, cacau, mentol e tabaco seco no fundo. Preço ronda os 15€ (Junho 2012) 91pts
Ponte das Canas 2006: Touriga Franca, Touriga Nacional, Syrah e Alicante Bouschet. Todo o conjunto aromático bem delineado, fruta madura e redonda com frescura, chocolate, mentol, especiaria, novamente um toque de mentol, flores, tudo muito bem concentrado com a madeira bem inserida, ao mesmo tempo concentrado. Boca começa por ter a fruta muito presente, tudo em harmonia com a prova de nariz, ganha algum peso com o tempo no copo e aumento de temperatura que resulta num pico de álcool algo desajustado. Não havia necessidade... Preço ronda os 15€ (Junho 2012) 89 pts
Mouchão 2007: Alicante Bouschet e Trincadeira. Ainda vai tardar em chegar ao mercado, talvez no final do ano, o vinho neste momento está ainda cru mas uma delícia, rebelde e pleno de irreverente com muita fruta madura e fresca, toda ela bem desenhada e em 3D, depois o toque de eucalipto, a pimenta preta, a pasta de azeitona, muita rebeldia de um conjunto fantástico a mostrar alguma rusticidade, secura na boca que nos enche o palato, marcante nos aromas e sabores. Grandioso final neste enorme Mouchão. Preço n/d (Junho 2012) 94-96 pts
Mouchão 2006: Mais um ano em que tantos se deram mal mas para estes lados parece que são imunes a essas coisas, ainda bem, este 2006 é um Mouchão bem definido, tem a concentração a opulência, talvez um pouco mais cheio mas com uma frescura muito bem colocada, não chega a ser guloso mas dá uma prova de grande gabarito no imediato ainda com alguma madeira presente mas polida. Mostra vigor, ameixa madura, especiaria, com tempo liberta aquelas bonitas notas de eucalipto/menta, esteva, tanto para crescer que se nota na boca com taninos a pedir garrafa.
Preço ronda os 30€ (Junho 2012) - 95 pts
Preço ronda os 30€ (Junho 2012) - 95 pts
Mouchão 2002: Nariz clássico da casa, depois varia ligeiramente nas suas nuances conforme o ano em causa. É mais um vinho de 2002 a entrar directamente para o top. Conjunto com nervo, raça, ameixa de sempre a dizer presente, ameixa preta gorda e sumarenta, fresca, com eucalipto tal como a complexidade, fino e fresco, com aquela rusticidade tão boa e que lhe fica tão bem, pasta de azeitona, amora mais o vegetal seco, a especiaria, madeira plenamente integrada. Na boca envolvente e macio, afinado com boa frescura, vegetal e especiado, ao mesmo tempo é arredondado e fresco, enche o palato com bom trato, sabor a fruta que se trinca em final longo. Preço ronda os 45€ (Junho 2012) 94 pts
Mouchão 1984: É daqueles vinhos que nos metem a pensar, que precisa de tempo tanto ele como nós para conseguir desembrulhar toda aquela fina complexidade que encerra. A idade não perdoa e já mostra sinais da passagem do tempo, tonalidade muito bonita ainda a mostrar laivos rubi bem vivos. A fruta formato ameixa e amora quase toda ele em passa, alguma ainda brinca como se fosse ontem que foi lá parar, depois são os majestosos terciários a tomar conta do cenário, couro, café, especiaria fina, caril, vegetal seco (folha de eucalipto) e algum terroso, algum licor pelo meio a dar mais um ar de graça num vinho fino e elegante. Na boca é fresquinho, algo seco, pecando ligeiramente na falta de vivacidade da fruta, toque austero da Alicante Bouschet...nunca se esquece dele, repete por momentos o encontrado pelo nariz, perdeu a pujança dos mais novos, mais macio e com evolução de 28 anos de vida. Final de mediana persistência.
Preço n/d - (Junho 2012) 92 pts
Preço n/d - (Junho 2012) 92 pts
Licoroso 2006: Elaborado a partir de Alicante Bouschet e Trincadeira, todo ele pastoso, fruta em pleno destaque e onde tudo rodopia à sua volta, envolvente e com frescura suficiente. Especiaria doce, ameixa seca em calda, cheio mas com harmonia, longo e a preencher bem o palato com chocolate negro. Preço ronda os 25€ (Junho 2012) 91 pts
Licoroso 1929: Este licoroso é um dos segredos mais bem guardados desta casa, algures meio perdido mas nunca esquecido no meio da adega encontra-se uma pequena barrica com este precioso néctar. Aroma muito complexo e de fino rendilhado, denso mas fresco, tudo o que os bons terciários nos tem para oferecer, vinagrinho subtil, ameixa seca, cacau, tabaco, leve fruto seco. Na boca é a explosão total de sabores e sensações, pastoso, fica-nos colado ao palato e à memória, final longevo e inesquecível... Preço n/d (Junho 2012)
Telefone: (+351) 268 539 228
Website: www.mouchaowine.pt
GPS: 38.949797, -7.809305
Sem comentários:
Enviar um comentário