Copo de 3: Factor identidade

02 março 2010

Factor identidade

Quantas vezes ao provar um vinho com um grupo de amigos, se questionou entre todos qual a região de onde seria proveniente aquele vinho, e que no final até se acertou em cheio.

Em que nos baseamos para tirar essas conclusões senão num factor chamado identidade, que na sua essência se baseia num determinado conjunto de características dos vinhos produzidos em determinada região. É esse mesmo factor que tem vindo a ser colocado um pouco de parte nos dias que correm, ou pelo menos assim parece, e muitas vezes o que pensávamos ser produzido para os lados da Austrália, afinal de contas até é feito ali para os lados de Beja.

Encaremos então a identidade de um vinho como o seu sotaque, que não deve ser falseado ou adulterado, devendo ser fiel à região/local onde nasceu. Acontece que esse mesmo factor passa muitas vezes ao lado do consumidor, quando deveria fazer parte do lote de exigências, a par da qualidade, na altura da compra.

Não convém esquecer que são esses mesmos vinhos, dotados de uma identidade muito própria que os torna fiéis representantes de uma determinada região, que por sua vez se devem dar a conhecer dentro e fora de portas, utilizando esse mesmo factor como uma mais valia, e que num curto/médio prazo se irá transformar em alvo de uma procura cada vez mais acentuada.

O problema neste caso, é que muitos vinhos vão abdicando cada vez mais da sua identidade, deixando prevalecer um agradar fácil ao consumidor, tornando-se com isso mais idênticos entre si, enquadrando-se num perfil mais comercial e seguidor de uma fórmula que hoje em dia começa a ficar algo repetitiva.

Afinal de contas quantos de nós já abdicámos do sotaque tão característico da terra onde nascemos apenas e só, para melhor nos enquadrarmos nos círculos sociais de que fazemos parte? O mesmo tem vindo a acontecer com o vinho.

Em Portugal temos o exemplo da Touriga Nacional, que plantada de norte a sul e vista por alguns como a solução de todos os males, é utilizada em demasia nos mais variados lotes, conseguindo com isso marcar a sua posição em inúmeros vinhos, tornando grande parte deles bastante semelhantes entre si.

Poder encontrar hoje em dia um vinho cujo sotaque corresponde à zona/local onde nasceu, é cada vez mais uma lufada de ar fresco, e o saber apostar neste mesmo factor pode ser a solução para fugir da monotonia daqueles vinhos deja vu que no fim de se beberem chegamos à conclusão de já se ter provado algo parecido nos últimos tempos.

Vivemos numa sociedade cada vez mais marcada e ordenada por certo e determinado número de modas, direi mesmo de igualdades, pelo que de certa forma a identidade ainda é o que nos resta como garante de alguma diferenciação e afirmação, num mundo cada vez mais igual.


Texto da autoria de João Pedro de Carvalho publicado originalmente na Revista Divinum (Jornal Público) nº3 Julho 2009.

3 comentários:

Vitor Mendes disse...

Olá João. Não consegui perceber se foste tu que escreveste o artigo... De qualquer forma subscrevo quase na totalidade o que o artigo nos transmite. Na verdade acredito que a identidade dos nossos vinhos, e falo dos portugueses, deve ser preservada. O sentido de originalidade que as nossas castas nativas impõem, é sem dúvida um factor de diferenciação com vinhos de outros países. No entanto, e numa óptica comercial, julgo que poderá ser de todo o interesse que, os nossos produtores que se querem afirmar além fronteiras, tenham uma gama de vinhos que os possam fazer entrar em determinados mercados. Sei por experiência que o sucesso em termos de exportação pode começar por um ou vários vinhos com perfis mais "globalizados", e esses vinhos podem ajudar a criar uma marca, que depois poderá "impor" vinhos com as tais características únicas e inconfundíveis que sem dúvida muitos dos nossos vinhos têm.

Abraço

Vítor

João de Carvalho disse...

Olá Vitor, o artigo é da minha autoria.

Penso que seja fundamental lá fora como cá dentro, mostrar vinhos com identidade própria e não cópias baratas de outras regiões (que acabam por ser caras €€€) quando nesses casos os originais sempre são bem mais fiáveis tanto pela qualidade como pelo garante de boa longevidade. Não me oponho com isto à experimentação ou a que alguns virem rumo ao dito "perfil internacional", há espaço para tudo.

Vitor Mendes disse...

Concordo plenamente João. E parabéns pelo artigo. É muito interessante e toca em alguns pontos fundamentais. Espero que alguns dos nossos produtores sigam este tipo de questões.

Abraço!

 
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